
O produtor gaúcho Sadi José Beledelli desembarcou há 39 anos em Sorriso (MT), a meio caminho entre Cuiabá e a divisa com o Pará pela rodovia BR-163. Quase em linha reta, são 2,1 mil quilômetros desde Getúlio Vargas (RS), de onde saiu em busca de terras para plantar no mesmo ano em que o povoado deixou a condição de distrito para se tornar um município. Sorriso tinha, na época, 2 mil habitantes, nenhuma rua asfaltada, algum comércio de mantimentos e poucas oficinas.
O parco serviço público de saúde chegaria somente três anos depois. Beledelli, aos 23 anos, já havia concluído o curso de administração rural na Universidade de Passo Fundo (RS) e trabalhava com o pai na lavoura. “Um tio falou para o meu pai das terras de Mato Grosso, e aí ele chamou a gente e disse: ‘E aí, gurizada, estão prontos?’.”
Sorriso e seus produtores transformaram o local na maior área de produção de soja do Brasil, longe do segundo lugar (veja quadro As 10 cidades da soja). Desde 2017, o município ultrapassou a barreira de 2 milhões de toneladas do grão. Na safra 2022/2023 deve cravar 2,2 milhões (1,45% da produção nacional), repetindo o desempenho da safra passada, de acordo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea).
O município saiu de uma área cultivada de 140 mil hectares, em 1990, para 587.283 hectares atualmente – o que, para comparação, equivale à soma das áreas urbanas das 20 maiores cidades do país. Beledelli embarcou para Sorriso junto com o irmão, um tio e o primo para tomarem posse de 2,4 mil hectares de terras. Hoje, o grupo tem 9 mil hectares, planta 6,5 mil hectares de soja e cultiva milho na segunda safra.
Desde o início, o produtor é cooperado da Cooperativa Agropecuária e Industrial Celeiro do Norte (Coacen), criada pelos produtores de Sorriso em 2005 para funcionar como um clube de compra e venda de grãos. Além disso, por 14 anos, foi presidente regional do Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi), presente em 26 estados com 2,2 mil agências, especializado em crédito para pequenos e médios produtores. Hoje, ele é presidente do sindicato rural do município, onde estão cerca de 350 produtores rurais.
Há muitos Beledellis no interior do Brasil, e muitas cidades que nasceram da agricultura moderna, que começou a surgir a partir dos anos 1980 no Centro-Oeste (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás) e dos anos 1990 nas regiões Norte (Rondônia, Tocantins, Pará e Roraima) e Nordeste (oeste baiano, Piauí e sul do Maranhão). Essa agricultura tirou o país da posição de importador de alimentos para um dos maiores produtores e exportadores.
No caso da soja, o Brasil tornou-se o maior produtor há três safras, ao ultrapassar os EUA, que, nesta safra, estão colhendo 116,37 milhões de toneladas. Na safra atual, a estimativa para o Brasil, em março, era de 151,419 milhões de toneladas de soja, volume 20,6% acima da safra passada, de acordo com o levantamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). (Para maio, a estimativa subiu a 154 milhões de toneladas, 23,3% acima). O Valor Bruto da Produção (VBP), recalculado nacionalmente todos os meses com base na produção agrícola municipal e nos preços recebidos pelos produtores, na mais recente estimativa para 2023, mostra um saldo de R$ 1,249 trilhão, dos quais R$ 387 bilhões, ou seja, 30,9% vêm da soja.
Sorriso passou a ser um polo regional pelas benesses do dinheiro que circula no município, pela qualidade de vida e pelos bons serviços que oferece. “Nós somos uma cidade extremamente agrícola, ou seja, tudo vem do campo”, afirma Beledelli. “Quando o produtor vende um saco de soja, o dinheiro é distribuído na compra de fertilizantes, de químicos, na oficina, no supermercado, restaurante, médico… O dinheiro vai trocando de mãos, mas ele só existe mesmo depois que a soja e o milho são colhidos.”
Beledelli continua: “E não é só aqui. Nos municípios mais agrícolas em todo o Brasil, o IDH é melhor e a distribuição de renda é maior”. Em Sorriso, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de 0,744, classificado como de alto desenvolvimento. O índice estatístico é composto de expectativa de vida, educação e indicadores de renda per capita. Quem for a Sorriso em busca de áreas gigantes de produção, as megafazendas, vai perder a viagem.
FONTE FORBES